quarta-feira, 11 de maio de 2016

Resenha - "O HOMEM QUE SALVOU A CORROMPIDA HADLEYBURG"




Hadleyburg, uma pequenina cidade norte-americana. É da observância dessa estrutura microscópica que seremos conduzidos, pelas mãos de Twain, mais precisamente por suas palavras, ao universo da condição humana.

Os leitores, já à porta da narrativa, são recepcionados com a asserção de que “Hadleyburg era a mais honesta e certinha cidade em toda a região”... . As palavras têm alma! E cabe ao leitor buscar a intenção de cada alma inscrita em determinado contexto, pois, da investigação dos propósitos dos vocábulos explícitos, ou, sobretudo, dos que encobrem seus intentos nos véus sutis das entrelinhas, é que formamos a trajetória de pistas para montar o quebra-cabeça proposto pelo autor. É do sentimento de cada palavra eleita, quer para o palco, quer para os bastidores, que conseguimos apreender a profundidade de um texto. O atributo “certinha”, por exemplo, em nada é gratuito nessa frase inaugural da novela. Ele, por si só, já nos conduz a uma certa desconfiança quanto à autenticidade da honestidade de Hadleyburg.

Na cidade “certinha”, nem tudo é tão certinho assim: em dada ocasião, a descortesia de um de seus moradores avilta um estrangeiro, que, ressentido, resolve tramar um ardil para desmascarar a incorruptível Hadleyburg. O forasteiro acena para a ganância humana com a vultosa soma de quarenta mil dólares, em moedas de ouro, desencadeando, entre os cidadãos ditos ‘probos’, uma série de sentimentos contraditórios. Xeque-mate! Cai por terra a presunção de honradez mantida ao longo de três gerações.

Mas teria esse misterioso forasteiro realmente arruinado a cidade?
Afinal, como corromper o já corrompido? Sim, Hadleyburg já era corrompida! Corrompida pela presunção da incorruptibilidade, pelo orgulho desmedido, pela arrogância da aparente superioridade.

Diante da estratégia daquele estranho, Hadleyburg desviou-se da verdade, ou, pela primeira vez, deparou-se com sua real verdade?

“A mais frágil de todas as coisas frágeis é a virtude que não foi testada a fogo” , assevera Twain. De fato, um ser humano, só quando posto à prova, encontra-se face a face com suas virtudes e defeitos e, apenas aí, é que se aprofundará seu autoconhecimento. Foi exatamente essa a oportunidade que a crise moral instalada na cidade ensejou.

Uma mentira grudada na face não se desmascara sem que a pele padeça. Mas a verdade, pouco a pouco, a regenera. E a liberdade de abraçar a virtude, por si próprio, e não por mero ditame do código de bons hábitos e costumes, cicatriza o que foi preciso sofrer para ser. Hadleyburg tinha que passar por esse processo de dilaceramento que enfim, em uma nova visão, era um processo de salvamento.

O forasteiro, cego de ressentimento, não avistara o que estava além de seu estratagema: a fragilidade da vingança. A vingança respira o mal e aspira ao mal, mas nem sempre é o mal que ela alcança. O bem, também, tem suas artimanhas para se fazer presente e atuante, ainda quando não aguardado ou não bem-vindo. Pois quem diria: o homem que corrompeu Hadleyburg foi o mesmo que salvou a corrompida Hadleyburg das correntes do falso moralismo.

E o que dizer de nós, na contemporaneidade? Corrupção envernizada por uma pseudo-honestidade não nos parece uma situação bem familiar?

Apesar de iniciar sua genial novela com a frase “Isso se passou muito tempo atrás.”, Mark Twain, realmente, deu à luz uma narrativa que transcende épocas. E, com ela, aprendemos!


 
Texto: Rita de Cássia Brígido Feitoza (Graduada em Letras e Direito pela UFC )

Nenhum comentário:

Postar um comentário